Jornalismo
11-05-2016
Os terroristas do jornalismo
LUÍS PAULO RODRIGUESO jornal “Correio da Manhã”, que é o mais lido em Portugal, publica hoje, na sua primeira página, uma notícia segundo a qual a Autoridade Tributária e Aduaneira, organismo do Ministério das Finanças responsável pela cobrança de impostos, vai vigiar a vida económica e financeira de cidadãos que tenham rendimentos acima dos 750 mil euros anuais, trabalho que será desenvolvido por uma unidade especial a criar pelo Governo, que terá 220 elementos.
A notícia, porém, aparece ilustrada com o rosto de três figuras públicas e respetivos rendimentos: os treinadores de futebol do Sporting Clube de Portugal e do Sport Lisboa e Benfica, Jorge Jesus e Rui Vitória, respetivamente, e o administrador da empresa energética EDP, António Mexia. Isto na edição em papel, porque, na edição digital, o protagonista é Jorge Jesus.
Não sabemos como é que as três figuras foram colocadas na primeira página do jornal, ou seja, não sabemos qual o critério que foi seguido para a escolha destes milionários. Qualquer que tenha sido esse critério, e dado que não estamos perante nenhuma situação confirmada de fuga aos impostos, estamos perante mais um caso gravíssimo de atropelo às mais elementares regras do jornalismo.
Não sabemos se a informação partiu do Ministério das Finanças ou se partiu do livre arbítrio do “Correio da Manhã”. Não sabemos se a escolha destas figuras tem a ver com quaisquer suspeitas do Ministério das Finanças sobre a sua situação fiscal ou se os nomes de Jorge Jesus, Rui Vitória e António Mexia foram escolhidos somente porque são famosos, ganham bem e fazem vender jornais ou disparar os cliques na Internet.
Esta capa do “Correio da Manhã” remete-nos para a fuga aos impostos dos milionários Jorge Jesus, Rui Vitória e António Mexia. É isso que os leitores que hoje comprarem o jornal, ou que o vejam no espaço público digital, vão percecionar e reter na sua mente, ainda que aquelas três figuras públicas sejam exemplares pagadoras de impostos. Ora, isso é intolerável, seja numa democracia ou numa ditadura.
Infelizmente, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social, liderada por Carlos Magno, continua a fechar os olhos a estas situações. Mas enquanto os meios de comunicação social irresponsáveis, que colocam de lado a ética e a deontologia jornalísticas, não forem severamente castigados ou censurados publicamente por um organismo regulador, continuarão a cometer estas atrocidades que desacreditam os jornais e os jornalistas.
Se eu estivesse no lugar de Jorge Jesus, de Rui Vitória e de António Mexia não ficaria quieto. Porque todas as pessoas têm direito ao seu bom nome, ainda mais quando ganham muito dinheiro e, presumivelmente, pagam muito dinheiro em impostos, contribuindo para o funcionamento do Estado em todas as suas dimensões.
Em jornalismo não pode valer tudo. Os responsáveis do “Correio da Manhã” não podem continuar a gerar perceções falsas sobre as pessoas, queimando reputações a torto e a direito, utilizando, abusivamente, a fama de muitas figuras públicas para vender papel, comportando-se como verdadeiros terroristas do jornalismo.