Penso, logo existo
13-07-2016
Portugal campeão. A vitória da humildade e do trabalho sobre o snobismo
LUÍS PAULO RODRIGUESHoje é quarta-feira e, no Brasil, já consegui ver na televisão duas repetições da grande vitória de Portugal sobre a França, na final do Euro 2016. O destaque mediático demonstra o alto significado da conquista portuguesa, obtida numa exibição irrepreensível da seleção, em que não faltaram a emoção, o drama e a capacidade de superação.
Desta vez, há que dizê-lo, Portugal teve a sorte dos campeões. Nesta final com os franceses, essa sorte aconteceu já nos descontos dos 90 minutos de jogo, numa altura em que já não seria possível recuperar, quando a bola beijou o poste de Rui Patrício, não entrando na baliza por mero acaso.
De resto, as oportunidades de golo dividiram-se e Portugal justificou plenamente a vitória. Por uma razão: foi uma equipa muito melhor. Justamente uma qualidade que nem sempre tinha demonstrado, em função da capacidade aglutinadora de atenções em torno de Cristiano Ronaldo. Mas sem o craque em campo, do qual foi afastado por lesão ainda no início da partida, a França ficou sem adversário pela frente e sem saber o que fazer ao seu jogo. E, aí, os jogadores portugueses mostraram a força do seu jogo coletivo.
As extraordinárias defesas de Rui Patrício foram outro espetáculo dentro do jogo. Assim como a capacidade física notável de todos os jogadores. E a cereja em cima do bolo foi aquele golaço de um herói improvável: o mal-amado Éder.
Até nesse capítulo, e em função da infância difícil do atleta português nascido na Guiné-Bissau, esta vitória de Portugal sobre a França simbolizou a vitória do trabalho, da humildade e da capacidade de resiliência sobre a arrogância, o snobismo e a sobranceria dos franceses, como as voltinhas precoces do autocarro francês pelas estradas do país, com a inscrição “campeões da Europa”, traduziram com fidelidade.
Afinal, aquela seleção "nojenta" que não ganhava a ninguém, como escreveram os franceses, foi consagrada dentro do campo como campeã da Europa. Portugal conseguiu outro feito inédito: quebrar a tradição de a França vencer sempre que organiza uma grande competição internacional. E, mais do que isso, venceu sem o astro Cristiano Ronaldo dentro do campo.
Com este título europeu inédito, Portugal tem pela frente uma excelente oportunidade para valorizar os jogadores, os treinadores e os clubes portugueses, assim como a Liga Portuguesa e o futebol português no seu todo.
Que os agentes do futebol português, que souberam construir a caminhada que conduziu Portugal ao título, saibam agora viver dessa construção, aproveitando na plenitude as novas oportunidades que o novo estatuto de país campeão comporta.
Há 32 anos, no Euro de 1984, também disputado em França, Portugal tinha uma boa seleção, mas era uma espécie de País de Gales, que estava pela primeira vez numa fase final europeia. Agora, com o título europeu conquistado, Portugal passou a integrar o grupo restrito dos países campeões, ganhando o respeito da Europa e do mundo. É uma nova era que se abre no futebol português.
Obs. – Na imagem, Rui Patrício em ação na grande final contra a França. O guarda-redes português foi considerado o melhor do Euro 2016. Fotografia: © Kai Pfaffenbach / Reuters