Jornal de Notícias
Jornalismo
13-01-2024

O JN e o Norte não podem esperar

Em 1989, quando entrei em “O Comércio do Porto”, como jornalista estagiário, a cidade do Porto respirava pujança económica, social, cultural e política com cinco jornais diários – “Jornal de Notícias” (JN), “O Comércio do Porto”, “O Primeiro de Janeiro”, “O Jogo” e o “Público” (este em fase de lançamento e com redação também em Lisboa). Eram cinco títulos da imprensa diária cujas empresas estavam sediadas na Área Metropolitana do Porto.

Tive o prazer de trabalhar nas instalações de “O Comércio do Porto” na icónica Avenida dos Aliados, num imóvel que, num processo penoso e polémico, foi parar às mãos de uns banqueiros entretanto falidos. Também a delegação do lisboeta “Diário de Notícias” estava num edifício belíssimo, também nos Aliados. Outros jornais com sede em Lisboa, como o “Expresso”, tinham delegações bem apetrechadas no Porto.

Três décadas depois, como sinal do nosso empobrecimento coletivo – que é fundamentalmente cultural, com a prevalência dos números sobre as letras, ou das contas sobre o pensamento –, os jornais, e outros meios de comunicação foram empurrados para espaços da periferia. Os edifícios glamorosos que outrora eram propriedade dos jornais transformaram-se em hotéis de luxo ou escritórios.

Na alvorada do século XXI, a democratização da Internet e o advento das redes sociais desvalorizaram as notícias e a publicidade que lhe dava sustento, comprometendo o modelo de negócio. A comunicação tornou-se essencial na vida das pessoas e das instituições e dos governos, mas os jornais perderam valor e poder económico. Um paradoxo do nosso tempo.

O panorama da imprensa portuense mudou radicalmente. O “Público” já não possui o caderno “Local Porto”, que foi uma referência na informação local e regional nas décadas de 1990 e 2000; “O Primeiro de Janeiro” e “O Comércio do Porto” desapareceram; o “Diário de Notícias” fechou a delegação no Porto e ficou a vegetar na capital. Restam o JN e “O Jogo”, sem casa própria e com salários em atraso.

Assentando o sucesso da sua existência no jornalismo de proximidade, com delegações em quase todas as capitais de distrito e uma rede de correspondentes sempre em linha com o pulsar das localidades, o JN regista a particularidade anacrónica de ser um jornal do Porto administrado a partir de Lisboa.

Uma das decisões estratégicas que, a meu ver, mais contribuíram para o progressivo afastamento do JN da sua realidade, foi a sua tentativa de transformação em jornal de referência nacional, perdendo gradualmente a sua identidade e a sua identificação com o Porto, com o Norte e com o tecido económico. A eliminação da secção de economia acabou por ser uma machadada na ligação umbilical do JN às empresas, dado que a informação económica veiculada passou a ter um olhar sobre o país com os óculos seletivos de Lisboa.

Chegados a este ponto, e no que diz respeito à sobrevivência do JN, o cenário é sombrio e constitui uma forte ameaça à democracia. Porque o jornalismo, enquanto ferramenta de escrutínio dos poderes e dos abusos de poder dos mais fortes sobre os mais fracos, é essencial para uma sociedade livre e saudável, onde a transparência democrática se sobreponha à opacidade.

Para salvar o JN e a sua marca de jornalismo, para além de ser necessário investigar como foi possível chegar até aqui, é crucial uma intervenção rápida do poder político que crie soluções baseadas em compromissos claros e transparentes.

O Porto e os municípios do Norte não podem ficar sem o seu único jornal diário de informação geral. Porque não podem ficar definitivamente mais afastados de Lisboa e do centro das decisões que interessam a uma comunidade com 3,5 milhões de pessoas.

O jornalismo é um bem cultural fundamental para a vida democrática. E o Estado tem de assumir a sua função corretora das distorções do mercado. Neste sentido, impõe-se a nacionalização imediata do JN, não como solução definitiva, mas como ação de emergência para a salvaguarda do jornal e dos seus trabalhadores.

Seguidamente, impõe-se uma solução rápida para o seu financiamento – sustentado numa visão de longo prazo –, convocando capitais públicos e privados, nomeadamente fundações e outras instituições culturais ligadas às grandes empresas do Norte, tendo como contrapartidas benefícios fiscais ao abrigo da lei do mecenato cultural e social.

O Porto e o Norte não podem esperar. Se o jornalismo é fundamental para a democracia e se estão todos preocupados, chegou a hora da ação.

Obs. – Artigo originalmente publicado no "Jornal de Notícias", no link https://shre.ink/DYEC.

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