Comunicação Política
12-06-2023
A comunicação do ódio e da violência
LUÍS PAULO RODRIGUESNuma sociedade cada vez mais dominada pelo primado da imagem, uma comunicação baseada no ódio e na violência imagéticas, típica dos movimentos de inspiração fascista e de extrema-direita, está a fazer o seu caminho acelerado em Portugal e a lançar a crispação, o tumulto e a conflitualidade no debate político.
Vem isto a propósito da polémica suscitada por uma manifestação contra o Primeiro-Ministro, António Costa, abordado por um conjunto de professores, à margem das celebrações oficiais do Dia de Portugal, na Régua, que empunhava alguns cartazes e autocolantes de lapela, em que o primeiro-ministro apareceu retratado com um nariz de porco, lápis espetados nos olhos e lábios sobredimensionados.
Mais do que um ato de protesto legítimo em democracia, as imagens em que António Costa apareceu retratado com o focinho de um animal revelam não só um profundo mau gosto, mas uma profunda falta de respeito pelo líder do Governo e pelo Estado português no seu todo. Um cenário, portanto, inaceitável, revelador da profunda degradação do debate público, que retira às manifestações dos professores toda a credibilidade.
Este movimento de instalação do ódio e da violência em manifestações públicas não é novo e vem fazendo o seu caminho em Portugal e no mundo, num tempo em que só é notícia o assunto que tem imagem associada e em que a notícia é destacada em função da espetacularidade das imagens disponíveis e nunca em função da verdade dos factos.
No caso português, este clima foi acelerado nos últimos anos, em especial com o nascimento de novos partidos à direita e com as suas formas de comunicar consideradas “inovadoras”, gerando imagens extraordinárias para ilustrarem conteúdos nas redes sociais e proporcionarem o espetáculo da informação televisiva.
Recordo outros episódios recentes deste movimento. Um deles é o “outdoor” do Chega apelando à necessidade de uma “limpeza em Portugal”, que continua patente em muitas cidades portuguesas. É mais um exemplo de comunicação violenta e odiosa que mostra os rostos de António Costa, Fernando Medina, Ricardo Salgado e José Sócrates, cada um deles com uma cruz vermelha por cima da cara, significando que deveriam ser eliminados. Não sei como é que a Comissão Nacional de Eleições, ou o organismo público que gere estas estruturas de comunicação política, permite a exibição pública de um “outdoor” deste tipo.
Outro episódio violento foi a manifestação grotesca do grupo parlamentar do Chega, na cerimónia de receção ao Presidente do Brasil, Lula da Silva, cujos elementos se apresentaram ao longo do discurso do líder político brasileiro empunhando cartazes insultuosos. Também não sei como é que foi possível uma manifestação tão grotesca naquela que é considerada a “casa da democracia” contra um chefe de Estado estrangeiro, por sinal, de um país estratégico para Portugal.
A democracia é um regime político plural porque permite a liberdade de expressão e a diferença de opiniões. Já os casos relatados neste artigo configuram uma comunicação insultuosa que escapa às normas da boa educação, do bom senso, da ética, do respeito entre as partes e da civilidade em que devem assentar o direito ao debate, o direito à participação e o direito à manifestação.
A multiplicação e a banalização de episódios públicos de comunicação da violência e do ódio transformam a democracia num tumulto permanente, terreno que é um pasto suculento de que se alimentam os políticos populistas, nomeadamente os de extrema-direita, cujo comportamento é moldado por uma cartilha igual em todo o lado e que já vimos noutras latitudes.
Daí que, e para completar o triste ramalhete, tenha sido dececionante ouvir o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a desvalorizar o episódio do focinho de porco na imagem de António Costa, dizendo que não se sentiria ofendido se o alvo tivesse sido ele.